O Senado aprovou nesta quinta-feira (19) o projeto de lei que estabelece novos limites para os gastos públicos em caso de déficit primário (
A proposta, que integra o pacote de medidas do governo federal para cortar despesas e alcançar a meta fiscal a partir de 2025, recebeu 72 votos favoráveis, um voto contrário e nenhuma abstenção. Ela segue agora para a sanção presidencial.
O déficit primário ocorre quando as receitas de tributos e impostos são inferiores às despesas do governo — exclui-se da conta os gastos com o pagamento dos juros da dívida pública.
O texto aprovado pelo Senado foi o mesmo que veio da Câmara dos Deputados na quarta-feira (18). O relator foi o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA). Ele rejeitou todas as sugestões de alterações apresentadas pelos senadores, para evitar o retorno do projeto à Câmara.
— Todas versam sobre matérias que alteram o mérito do projeto e, portanto, forçariam seu retorno à Câmara dos Deputados, em detrimento à urgência imposta à aprovação do pacote fiscal para estabilização macroeconômica do país e viabilização da votação da Lei Orçamentária Anual — apontou.
Wagner defendeu a aprovação argumentando que o projeto vai no caminho certo para promover um ajuste fiscal substancial.
— Reiteramos que esse pacote fiscal concebido pelo Ministério da Fazenda resulta em uma economia potencial de R$ 70 bilhões em dois anos e traz importantes gatilhos fiscais capazes de ampliar, se necessário, esse valor. Assim, o pacote se revela capaz de estabilizar o endividamento público que conferir previsibilidade — disse o relator.
Líder da oposição, o senador Rogerio Marinho (PL-RN) manifestou apoio ao projeto, mas afirmou que ele é “insuficiente”.
— O governo acena com a possibilidade de ter uma poupança de R$ 30 bilhões no próximo ano e R$ 40 bilhões no ano subsequente. Todos os cálculos a que eu tive acesso, tanto de economistas renomados como do nosso próprio gabinete, vão em torno de R$ 41 bilhões, R$ 42 bilhões nos 2 anos, e não R$ 70 bilhões. Isso claramente não é suficiente. O que falta é confiança nas finanças públicas — criticou.
Emendas parlamentares
Na Câmara, os deputados fizeram alterações na versão original do projeto, apresentada pelo líder do governo naquela casa, deputado José Guimarães (PT-CE). O texto original previa que o bloqueio ou contingenciamento de emendas orçamentárias seria aplicado a todas as emendas. Pelo substitutivo dos deputados, confirmado pelos senadores, o governo poderá bloquear ou contingenciar apenas as emendas parlamentares não-impositivas. Esse bloqueio deverá seguir a proporção de congelamento de outras despesas e também prioridades elencadas pelo próprio Congresso.
As emendas não-impositivas são aquelas que o governo não tem obrigação de pagar: as das comissões do Congresso e as do relator do Orçamento. As emendas individuais e das bancadas estaduais são obrigatórias até um limite percentual da Receita Corrente Líquida (RCL)
O projeto retoma proposta que não foi incluída na lei que regulamentou as emendas parlamentares ao Orçamento (
Despesas discricionárias são as que o governo pode decidir não executar e que são passíveis de bloqueio ou contingenciamento, como investimentos, compra de equipamentos, insumos, execução de serviços (passaportes, por exemplo) e pagamento de bolsas de pesquisa.
Essa lei surgiu depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter cobrado maior transparência na execução das emendas parlamentares, mas o bloqueio ficou de fora. Agora, apesar de ser retomado, tanto ele quanto o contingenciamento serão limitados a 15% das dotações de emendas de comissão. As emendas individuais e de bancada ficam fora da regra.
O bloqueio acontece quando as despesas superam o limite de gastos estabelecido pelo arcabouço fiscal. É mais difícil de ser revertido. Por sua vez, o contingenciamento ocorre quando as receitas ficam abaixo das projeções esperadas. As emendas, assim, têm mais chance de execução em caso de melhora do cenário.
Incentivos tributários
O texto estabelece que, quando ocorrer déficit primário, a União não poderá publicar lei concedendo, ampliando ou prorrogando incentivos tributários até que consiga restabelecer o superávit. A regra valerá a partir de 2025.
Quando alcançado o superávit, o Orçamento do ano seguinte não terá mais a trava. O processo será repetido a cada vez que o governo não conseguir fechar as contas.
Da mesma forma, será proibida a concessão de aumento nas despesas de pessoal e de seus encargos, mas somente até 2030. Se houver déficit, tanto o projeto da Lei Orçamentária Anual (PLOA) quanto a própria lei do Orçamento não poderão apresentar crescimento anual real dos salários maior do que 0,6% em relação ao ano anterior. A única exceção para isso são os valores concedidos por causa de sentença judicial.
Essa trava das despesas de pessoal valerá para cada um dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e também para o Ministério Público da União, a Defensoria Pública da União, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Tribunal de Contas da União (TCU).
Esporte
Senadores alertaram que a limitação da concessão de créditos tributários pode impactar o financiamento público ao esporte. Isso porque a Lei de Incentivo ao Esporte (
— O impacto dessa lei é muito maior no nível social, de transformação de vidas, do que dinheiro, do que de receitas — alertou a senadora Leila Barros (PDT-DF).
Leila votou favoravelmente ao projeto, mas pediu o compromisso do governo para garantir medidas que tornem o financiamento do setor permanente. Mesma posição manifestou Carlos Portinho (PL-RJ). O senador considerou o corte “tímido”, mas ressaltou que a falta de uma lei que garanta incentivo perene ao esporte pode dificultar a vida dos atletas.
— Os efeitos desta lei vão causar prejuízo ao esporte já no próximo ciclo olímpico. Vamos construir, em vez de uma lei que tem que ser renovada a cada período, uma lei que seja definitiva — propôs.
O líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), e outras lideranças afirmaram que vão trabalhar por uma solução para o setor.
INSS
O projeto também estabelece que o crescimento anual das despesas com a criação ou prorrogação de benefícios da Seguridade Social, como aposentadorias e auxílio-doença, deverá seguir as regras do
Atualmente, os benefícios pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) são corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), enquanto o salário mínimo, base para benefícios equivalentes ao seu valor, tem um reajuste real que considera a variação do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos anteriores.
Porém, como o limite de crescimento se aplica apenas à criação ou prorrogação de novos benefícios, existe a possibilidade de que concessões sejam represadas caso o teto estabelecido seja atingido, o que pode dificultar a ampliação de benefícios sociais.
A aplicação do arcabouço fiscal a esse tipo de despesa obrigatória não se limita ao teto de crescimento de 2,5% ao ano. A lei determina que o aumento da despesa primária está vinculado à variação real da receita primária. Se o governo alcançar a meta de resultado primário de dois anos antes, o crescimento permitido será de até 70% dessa variação. Caso contrário, o limite cai para 50%.
Dessa forma, a criação ou prorrogação de benefícios do INSS precisará respeitar esses limites adicionais, que serão revisados anualmente, condicionando ainda mais o aumento dessas despesas.
Fundos
Outra medida do projeto é determinar que, entre 2025 e 2030, o governo poderá usar os saldos positivos (superávit) de cinco fundos nacionais para abater a dívida pública:
- Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD)
- Fundo Nacional de Segurança e Educação de Trânsito (Funset)
- Fundo do Exército
- Fundo Aeronáutico
- Fundo Naval
Três fundos previstos no texto original foram retirados do substitutivo: Fundo Nacional Antidrogas (Funad), Fundo da Marinha Mercante (FMM) e Fundo Nacional de Aviação Civil (FNAC).
Seguro obrigatório
Outra inclusão dos deputados no texto foi a revogação da
O DPVAT foi extinto em 2020. Ele era custeado por todos os proprietários de veículos, e o dinheiro arrecadado era destinado às vítimas de acidentes de trânsito em todo o país. Se a proposta for sancionada pelo presidente Lula, não haverá a volta da cobrança a partir do próximo ano, como esté previsto.
Destaques
Para garantir a aprovação do projeto sem mudanças, os senadores retiraram todos os destaques inicialmente propostos. Um deles era uma emenda de Rogério Marinho que, segundo ele, ampliaria os cortes para R$ 135 bilhões. Ele sugeria limitar contratações e aumentos salariais, reduzir o número de ministérios e extinguir a margem de tolerância da meta fiscal. O arcabouço fiscal permite uma margem de 0,25% do PIB. Para 2025, isso significa que um déficit de até R$ 30,9 bilhões seria tolerado.
— Estamos enxugando gelo. O que nós propomos é que os administradores públicos sejam responsáveis — disse o senador.
Em resposta, o relator, Jaques Wagner, afirmou que a medida representaria um “corte absoluto” no Orçamento.
Além do PLP 210/2024, que é um projeto de lei complementar, o pacote de corte de gastos é composto por outras duas matérias: uma proposta de emenda à Constituição (
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)