Presidente do Uruguai reconhece vitória de Orsi e convida sucessor da esquerda para iniciar transição imediatamente

Presidente do Uruguai reconhece vitória de Orsi e convida sucessor da esquerda para iniciar transição imediatamente

Notícia

O esquerdista Yamandú Orsi, da opositora Frente Ampla, foi eleito presidente do Uruguai nas eleições deste domingo, marcando a volta do poder da esquerda no país após cinco anos. Orsi foi declarado vitorioso com 94% das urnas apuradas, por volta das 22h30 (mesmo horário de Brasília), com 49,66% dos votos, contra 46,06% do candidato da coalizão de centro-direita, Álvaro Delgado — uma diferença de 3,6 pontos percentuais, na média do que indicavam as pesquisas eleitorais nas últimas semanas, e das projeções do boca de urna após a votação.

  • Mentor de Orsi: ‘Capaz que seja meu último voto’, diz Mujica sobre as eleições no Uruguai
  • ‘Nunca celebraram’: Livro conta como um grupo de guerrilheiras fugiu da prisão durante a ditadura no Uruguai

Buzinas e gritos de euforia eclodiram na capital Montevidéu, reduto da Frente Ampla no país, quando as projeções indicando a vitória de Orsi foram divulgadas, por volta das 20h40. A votação começou às 8h e encerrou às 19h30, e cerca de 89% dos aptos a votar (de um total de 2,7 milhões de eleitores) compareceram às urnas, segundo dados do órgão eleitoral do país.

Em seu primeiro discurso em frente a uma multidão de eleitores na sede da Frente Ampla, Orsi agradeceu por uma “noite de gratidão”, e disse ter respeito aos que têm opiniões diferentes, afirmando que também são “construtores da democracia”. Ele destacou ainda que é necessário que todos, independentemente das diferenças, “ajudem a construir um país melhor”, com base no debate de ideias:

— Eu serei o presidente que construirá uma sociedade mais integrada, onde, além disso, apesar das diferenças, jamais ninguém poderá ficar para trás do ponto de vista econômico, social e político acrescentou Orsi ao lado de Carolina Cosse, a vice-presidente eleita. — A mensagem não pode ser outra senão abraçar o debate de ideias. É assim que se constrói uma república democrática. Viva os partidos políticos do Uruguai.

Pouco depois dos primeiros números não-oficiais serem divulgados, o presidente Luis Lacalle Pou, impedido constitucionalmente de disputar a reeleição, reconheceu a derrota da direita e convidou o esquerdista a iniciar o processo de transição “imediatamente.” “Liguei para Yamandú Orsi para parabenizá-lo como presidente eleito de nosso país e para me colocar sob seu comando e iniciar a transição assim que ele entender que é pertinente”, disse Lacalle Pou na rede social X.

Delgado, por sua vez, reconheceu a vitória do adversário logo depois em discurso a seus apoiadores:

— Hoje os uruguaios definiram quem será o presidente da República. E quero enviar aqui, com todos esses atores da coalizão, um grande abraço e uma saudação a Yamandú Orsi — disse Delgado.

O candidato da Frente Ampla, Yamandú Orsi, vota nas eleições presidenciais do Uruguai — Foto: EITAN ABRAMOVICH / AFP

Orsi, ex-prefeito da segunda maior cidade do Uruguai, Canelones, e professor de História, de 57 anos, sucederá, em 1º de março, o presidente Lacalle Pou. Ele governará o país até 2030, quando será comemorado o bicentenário da República do Uruguai.

Tido como sucessor do ex-presidente José “Pepe” Mujica, o esquerdista assumirá uma nação reconhecida como uma das democracias mais sólidas da América do Sul, com um ambiente econômico estável, que ajudou a superar desafios como a pandemia e a seca, permitindo a recuperação do crescimento do PIB, estimado em 3%. Entre os desafios do novo presidente, porém, estão o aumento do custo de vida e a segurança pública, que preocupam a população, além da situação econômica deste de 3,4 milhões de habitantes.

Falando ao lado de Orsi e Cosse, o presidente da Frente Ampla, Fernando Pereira, também prometeu união nacional em seu discurso.

— Vamos conversar e dialogar com quem não votou em nós — disse. — Viemos para unir o Uruguai.

O secretário-geral do Partido Comunista, Juan Castillo, declarou em entrevista coletiva que a vitória de Orsi serve para “resolver grande parte das angústias que nossa população enfrenta” relacionadas ao “trabalho” e à “melhoria da economia”, assim como para “abrir o Uruguai para o resto do mundo” e atender ao “direito à educação, seguridade social, saúde, habitação, tantos direitos adiados”.

— Vamos cumprir o programa de governo e o Uruguai será melhor, será feliz, será para todos e para todas — disse Castillo.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, parabenizou Orsi pela vitória no pleito. “Quero congratular o povo uruguaio pela realização de eleições democráticas e pacíficas e, em especial, o presidente eleito Yamandú Orsi, a Frente Ampla e meu amigo Pepe Mujica pela vitória no pleito de hoje”, escreveu Lula no X. “Essa é uma vitória de toda a América Latina e do Caribe. Brasil e Uruguai seguirão trabalhando juntos no Mercosul e em outros fóruns pelo desenvolvimento justo e sustentável, pela paz e em prol da integração regional”, finalizou.

As pesquisas já apontavam para uma disputa acirrada neste domingo. Em 27 de outubro, no primeiro turno, Orsi obteve 43,9% dos votos, muito à frente de Delgado (26,7%) — que contou no segundo turno com o apoio de todos os partidos da coalizão governista, com 47,7% dos votos no total. Orsi liderou todas as pesquisas desde então, mas foi seguido de perto por Delgado, por uma diferença que diminuiu nos últimos dias e se situou dentro das margens de erro até o último momento.

Mais cedo, os dois candidatos afirmaram que estavam abertos a negociar com o outro bloco, algo que já seria inevitável, já que nenhum deles terá maioria parlamentar. Após as eleições de outubro, a Frente Ampla ficou com 16 das 30 cadeiras no Senado, e a coalizão governante, com 49 das 99 cadeiras na Câmara dos Deputados.

  • Em março: Pré-candidato à Presidência no Uruguai é denunciado por mulher trans por agressão

Orsi disse à imprensa após votar no departamento de Canelones que, tendo em conta o que mostraram as últimas sondagens, já esperava que o resultado fosse equilibrado. Também assegurou ter a “governabilidade” para impulsionar “as transformações de que o país precisa”.

O candidato da coalizão governista, Alvaro Delgado, vota em Montevidéu, Uruguai — Foto: DANTE FERNANDEZ / AFP
O candidato da coalizão governista, Alvaro Delgado, vota em Montevidéu, Uruguai — Foto: DANTE FERNANDEZ / AFP

Delgado, por sua vez, havia declarado anteriormente que queria ser “o presidente de todos os uruguaios” e adicionou que chamaria seu adversário para ingressar em seu governo caso seja eleito.

— Queremos ir ao encontro e buscar linhas de acordo — dissera o ex-secretário da Presidência de Lacalle Pou, confiando em “uma maioria silenciosa” que lhe daria a vitória porque o Uruguai está “melhor” do que em 2019.

Em 2019, a vitória de Lacalle Pou foi por 37.042 votos e o candidato da Frente Ampla não quis reconhecer a derrota até a apuração final.

Apoiadores de Delgado reagem às projeções do boca de urna no Uruguai, que apontam vitória de Orsi — Foto: EITAN ABRAMOVICH / AFP
Apoiadores de Delgado reagem às projeções do boca de urna no Uruguai, que apontam vitória de Orsi — Foto: EITAN ABRAMOVICH / AFP

‘Me interessa o destino dos jovens’

A Frente Ampla já esperava voltar ao governo, perdido em 2020 após três mandatos consecutivos, um deles com Mujica (2010-2015). O ex-guerrilheiro de 89 anos, que se recupera de um câncer no esôfago, votou cedo em Montevidéu.

Pepe Mujica vota em eleição presidencial no Uruguai — Foto: Santiago Mazzarovich / AFP
Pepe Mujica vota em eleição presidencial no Uruguai — Foto: Santiago Mazzarovich / AFP

— Meu futuro mais próximo é o cemitério, mas me interessa o destino dos jovens, que quando tiverem a minha idade vão viver em um mundo muito diferente — disse Mujica, cercado por jornalistas, pedindo às pessoas que se preparem para “o advento da sociedade da inteligência”.

  • ‘Vou continuar com a minha vida normalmente’: Mujica descarta tratar tumor fora do Uruguai e agradece apoio

Apesar da saúde frágil, Mujica teve uma participação ativa no final da campanha. Em reuniões com moradores e várias entrevistas, ele criticou a avareza de alguns políticos, as corporações e o presidente em fim de mandato Lacalle Pou. Também questionou o “consumismo abominável”, e falou sobre seu legado em uma espécie de despedida que emocionou muitas pessoas.