Em uma violação de segurança sem precedentes, milhares de pagers pertencentes a membros do Hezbollah foram detonados simultaneamente em todo o Líbano, matando nove pessoas e ferindo quase 3.000 outras.
Hospitais em todo o Líbano ficaram sobrecarregados com o fluxo de pacientes, e um hospital de campanha foi montado na cidade de Tiro, no sul, para acomodar os feridos.
O Hezbollah culpou Israel e prometeu retaliar. Israel se recusou a comentar sobre as explosões, mas elas ocorreram poucas horas depois de os militares anunciarem que estavam ampliando seus objetivos na guerra desencadeada pelos ataques do Hamas em 7 de outubro para incluir sua luta contra o Hezbollah ao longo da fronteira com o Líbano.
Ainda não está claro como exatamente um ataque tão audacioso foi realizado, mas aqui está o que sabemos até agora.
Uma pequena quantidade de explosivos foi plantada dentro de um novo lote de 5.000 pagers encomendados pelo Hezbollah para seus membros, de acordo com uma fonte sênior de segurança libanesa que falou com a agência de notícias Reuters. Os serviços de inteligência de Israel foram os responsáveis, disse a fonte.
“O Mossad injetou uma placa dentro do dispositivo que tem material explosivo que recebe um código. É muito difícil detectá-lo por qualquer meio. Mesmo com qualquer dispositivo ou scanner”, disse a fonte.
O Mossad não comentou o ataque.
Outra fonte de segurança disse à Reuters que até três gramas de explosivos foram escondidos nos novos pagers e passaram “sem serem detectados” pelo Hezbollah por meses. A fonte disse que 3.000 dos pagers explodiram quando uma mensagem codificada foi enviada a eles, ativando simultaneamente os explosivos.
Um oficial americano que falou anonimamente ao New York Times fez alegações semelhantes, acrescentando que os dispositivos foram adulterados antes de chegarem ao Líbano. Material explosivo foi supostamente escondido em cada pager próximo à bateria, junto com um interruptor que poderia detonar remotamente o dispositivo.
De acordo com o New York Times, os pagers receberam uma mensagem às 15h30, horário local, que parecia ter vindo da liderança do grupo. Acredita-se que foi essa mensagem que ativou os explosivos. Vários vídeos que estão circulando das explosões parecem mostrar vítimas verificando seus pagers segundos antes de explodirem.
O plano parece ter sido elaborado ao longo de muitos meses, disseram diversas fontes à Reuters.
O Hezbollah encomendou 5.000 pagers comercializados pela empresa Gold Apollo, sediada em Taiwan, de acordo com o oficial libanês, e foram esses novos dispositivos que explodiram. Outras fontes disseram à Reuters que esses pagers foram trazidos para o país na primavera do hemisfério norte.
Analistas do grupo de inteligência de código aberto Bellingcat também identificaram os pagers como vindos da Gold Apollo.
Uma fonte próxima ao Hezbollah disse à agência de notícias AFP que “os pagers que explodiram dizem respeito a uma remessa importada recentemente pelo Hezbollah”, que parece ter sido “sabotada na fonte”.
Uma fonte libanesa sênior disse à Reuters que os dispositivos, identificados como modelo AR-924, foram modificados pelo serviço de espionagem de Israel “no nível de produção”.
Não há nenhuma sugestão de que a Gold Apollo, sediada em Taiwan, sabia que seus dispositivos haviam sido adulterados. O fundador da empresa, Hsu Ching-Kuang, disse aos repórteres na quarta-feira que os pagers usados no ataque não foram fabricados pela Gold Apollo, mas pela BAC Consulting, uma empresa sediada na Hungria que tinha o direito de usar a marca da empresa taiwanesa. No entanto, Cristiana Bársony-Arcidiacono, presidente-executiva da BAC, disse à NBC: “Eu não faço os pagers. Sou apenas o intermediário. Acho que vocês entenderam errado.”
Elijah Magnier, um analista de segurança baseado em Bruxelas, disse à AFP: “Para Israel incorporar um gatilho explosivo no novo lote de pagers, eles provavelmente precisariam ter acesso à cadeia de suprimentos desses dispositivos.”
Um pager é um pequeno dispositivo sem fio que pode receber e, em alguns casos, enviar mensagens, mas não pode fazer chamadas. Popular nas décadas de 1980 e 1990, seu uso declinou rapidamente no início dos anos 2000 com o surgimento dos celulares.
O Hezbollah é conhecido por usar dispositivos de baixa tecnologia para se comunicar porque, diferentemente dos celulares, eles podem escapar do rastreamento de localização e do monitoramento da inteligência israelense.
Yossi Melman, coautor do livro Spies Against Armageddon, disse que “muitas pessoas no Hezbollah carregavam esses pagers, não apenas os comandantes de alto escalão”.
Uma violação de segurança dessa escala é vista por especialistas como algo extremamente embaraçoso e prejudicial ao moral do grupo militante.
“Este seria facilmente o maior fracasso de contrainteligência que o Hezbollah teve em décadas”, disse Jonathan Panikoff, ex-vice-oficial nacional de inteligência do governo dos EUA para o Oriente Médio.
O Hezbollah está bem ciente da ameaça representada pelo uso de celulares. Em fevereiro, o secretário-geral do grupo, Hassan Nasrallah, alertou os apoiadores de que seus celulares eram mais perigosos do que espiões israelenses, dizendo que eles deveriam quebrar, enterrar ou trancar os aparelhos em uma caixa de ferro.
Os telefones celulares podem ser usados para rastrear a localização de alguém porque eles regularmente fazem “ping” nos mastros conforme eles se movem, permitindo que seu sinal se mova para diferentes mastros na rede.
“O telefone está constantemente emitindo sinais para se manter conectado a qualquer rede que esteja usando”, disse Alan Woodward, professor de segurança cibernética na Universidade de Surrey.
Se você monitorasse a rede, poderia localizar o sinal de um telefone específico, ele disse, vendo quais mastros estavam interagindo com o dispositivo e localizando o aparelho dentro dos intervalos sobrepostos desses mastros. Em áreas urbanas, a densidade de mastros torna o processo de zeragem preciso.
“Você pode fazer uma triangulação simples”, disse Woodward.
Os receptores GPS em telefones — usados para aplicativos de mapeamento, por exemplo — também fornecem a localização do dispositivo, embora você precise invadir o telefone para receber essa informação.
Como medida de segurança, portanto, o Hezbollah recorreu aos pagers, que escutam um sinal das redes de transmissão para receber uma mensagem, mas não fazem um “ping” de volta. Não há comunicação feita pelo pager para monitorar, disse Woodward.
“Você não consegue localizar o pager porque ele não faz nada além de ouvir”, disse ele.
No entanto, o Hezbollah claramente não previu que o dispositivo em si seria usado como uma arma em potencial.