Organização do acervo de Abdias Nascimento está disponível ao público

Organização do acervo de Abdias Nascimento está disponível ao público

Notícia

O cotidiano da preservação do acervo do poeta, dramaturgo, artista plástico e ativista pan-africano Abdias Nascimento poderá ser acompanhado, a partir desta segunda-feira (16), com o lançamento da websérie Andorinha. O trabalho guarda a memória de um dos maiores legados da cultura negra do Brasil e dos países da parte sul do planeta, com estrutura social e econômica de grandes desigualdades, chamada de sul global. Abdias Nascimento foi também deputado federal, senador e professor emérito da Universidade do Estado de Nova York, nos Estados Unidos.

O nome Andorinha foi uma escolha da equipe por simbolizar a força do coletivo. O fato de as andorinhas voarem juntas, de forma sincronizada e por longas distâncias, lutando contra grandes desafios, reflete o trabalho, em rede, do Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (Ipeafro), fundado por Abdias Nascimento nos anos 1980, ao manter viva a memória dele.

“Ao longo de sete episódios, reunimos as vozes de pesquisadores, artistas e técnicos, destacando os desafios e as conquistas envolvidas na gestão desse valioso patrimônio”, disse o Ipeafro.

Quem assistir a websérie Andorinha poderá ver os bastidores da organização do acervo Abdias Nascimento no Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (Ipeafro), reconhecido internacionalmente e inscrito no Programa Memória do Mundo da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Composto por documentos, obras de arte, livros e registros de toda uma trajetória negra ao longo do século 20, o trabalho passa também pelas organizações criadas pelo artista e ativista, como o Teatro Experimental do Negro (TEN), o Museu de Arte Negra e o Ipeafro. Como parlamentar, Abdias Nascimento foi autor das primeiras propostas ao governo federal para políticas públicas de combate ao racismo, em 1983.

Na websérie, depoimentos exclusivos detalham o trabalho de conservação desse patrimônio histórico e cultural que o Ipeafro abriga, incluindo o acervo documental, de aproximadamente 3.500 livros na coleção bibliográfica, 600 obras artísticas e 20 mil imagens no acervo iconográfico.


Brasília (DF) 14/03/2024 - Abdias Nascimento, 115 anos: a luta para unir africanos e descendentes
Foto: Acervo do Ipeafro/Divulgação
Brasília (DF) 14/03/2024 - Abdias Nascimento, 115 anos: a luta para unir africanos e descendentes
Foto: Acervo do Ipeafro/Divulgação

Ipeafro lança websérie Andorinha sobre o legado do poeta e dramaturgo Abdias Nascimento – Foto Acervo do Ipeafro/Divulgação

Além da produção do Ipeafro, a websérie tem o apoio do Instituto Ibirapitanga. O projeto está inserido na nova fase do sistema de gestão e difusão do legado de Abdias Nascimento.

“A iniciativa reafirma o compromisso do Ipeafro com a valorização e difusão da cultura afro-brasileira, celebrando a vida e a obra de seu fundador”, informou o Ipeafro.

A intenção da websérie é documentar os processos técnicos e momentos de destaque do Ipeafro, entre eles o retorno e a acomodação das obras da coleção Museu de Arte Negra, que compuseram a mostra no Museu Inhotim, em Minas Gerais. A exposição integrou, em quatro atos, o Programa Abdias Nascimento e o Museu de Arte Negra, em uma parceria entre o Inhotim e o Ipeafro no período de 2021 a 2024.

A websérie traz ainda a atuação do grupo de trabalho que institui o Programa Abdias Nascimento: Memória, Patrimônio e Reparação. A iniciativa conjunta do Ipeafro e da Fundação Casa de Rui Barbosa conecta representantes de instituições públicas e da sociedade civil, que possuem acervos relacionados à cultura e à memória afrodescendente, dos povos originários e comunidades periféricas.

Outro aspecto da websérie é que ela dá continuidade à produção, pelo Ipeafro e parceiros, do registro audiovisual de memória negra dos documentários: Abdias Nascimento Memória Negra (2008), de Antonio Olavo; Abdias Nascimento (2013), de Aída Marques; Abdias Vive (2011), de Fernando Bola; 70 anos do Teatro Experimental do Negro (2014), Ipeafro/ Cultne; e Entre o Aiyê e o Orum – Abdias Nascimento (2021).

Casada com Abdias na volta dos dois ao Brasil, depois do exílio, a cofundadora e atual presidente do Ipeafro, Elisa Larkin Nascimento, revelou que no retorno ao país, Abdias veio com o compromisso de fortalecer a democracia brasileira e participar da fundação do PDT, com Leonel Brizola, que, depois do partido criado, foi eleito governador do Rio de Janeiro pela nova legenda. Nessa época, o casal chegou com muitos elementos que hoje fazem parte do acervo do Ipeafro.


Rio de Janeiro (RJ), 14/03/2024 – A diretora do Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (Ipeafro), Elisa Larkin Nascimento durante entrevista à Agência Brasil, na sede do instituto, na zona sul do Rio de Janeiro. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Rio de Janeiro (RJ), 14/03/2024 – A diretora do Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (Ipeafro), Elisa Larkin Nascimento durante entrevista à Agência Brasil, na sede do instituto, na zona sul do Rio de Janeiro. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

A diretora do Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (Ipeafro), Elisa Larkin Nascimento – Foto Tomaz Silva/Agência Brasil

“Trouxemos muitos livros que ele havia colecionado, obras de arte que reuniu no exterior e ainda a produção pictórica, a pintura dele que, em sua grande maioria, foi produzida fora do Brasil. Ele começou em 68 a pintar, na época em que realizou a Exposição inaugural do Museu de Arte Negra, projeto que começou nos anos 50”, informou em entrevista à Agência Brasil, acrescentando que Abdias estava exilado em Nova York quando no Brasil foi promulgado o AI-5, impedindo-o de voltar ao país, mas não de continuar a interlocução do exterior com artistas brasileiros.

Cristo Negro

Elisa lembrou uma das criações de Abdias que causaram discussões à época – a proposta, em 1955, de lançar um concurso de artes sobre o tema do Cristo Negro, no momento em que o Rio de Janeiro recebia o 36º Congresso Eucarístico Mundial.

“A Igreja Católica do mundo inteiro, reunida no Rio de Janeiro, e o pessoal do Teatro Experimental do Negro propõem o concurso sobre o tema do Cristo Negro. Foi um escândalo, em 1955. Foi considerado grande blasfêmia, um atentado contra as artes e a religião. Foi descrito nos jornais como um grande problema, no entanto mais de 120 artistas fizeram a exposição e o concurso. A partir dali, o projeto do Museu de Arte Negra recebeu doações de artistas brasileiros das mais variadas origens e alguns dos mais eminentes como Alfredo Volpi, Ivan Serpa, Aldemir Martins, Augusto Rodrigues, a lista é muito grande”, disse.

A presidente do Ipeafro afirmou que o trabalho da instituição, como o próprio nome de Abdias, é pouco conhecido, mas que acredita que o audiovisual e a comunicação por meio das redes sociais vão permitir maior divulgação.

“O Abdias como ser político, como ator cultural, nunca chegava e nem se apresentava sozinho, se apresentava como uma pessoa que representa toda uma história, toda uma ancestralidade, uma luta de gerações de que ele faz parte disso. Era isso que ele queria realmente – difundir a mesma coisa com a nossa websérie. A gente considera que a websérie não fala só do Ipeafro, nem só do Abdias, mas sobretudo está na coletividade da população negra, por meio dessas histórias que incorporam tanto o Teatro Experimental do Negro, quanto o Projeto de Arte Negra. A vida e as obras do Abdias, como intelectual e ativista, representam algo maior, que é a luta coletiva pela população afro-brasileira”, afirmou.

Para a assistente de comunicação do Ipeafro, jornalista e diretora da websérie, Duda Nascimento, o projeto permite compartilhar as tecnologias de preservação que fazem o instituto resiliente.

“A minha ideia com a direção, a narrativa que eu queria comunicar, tem sido eficiente, dadas as exibições que a gente já fez no Ipeafro para a equipe. É possível identificar o compartilhamento da maneira de fazer o Ipeafro com outras organizações, para que elas possam tanto aprender como compartilhar as técnicas de preservação ou até mesmo de pessoas com acervo pessoal. Isso é um debate importante; como fazer com que a memória de personalidades e de acervos negros sejam permanentes”, observou.

Novas gerações

A doutora em história social da USP, Clícea Maria Miranda, responsável pelo acervo documental e integrante da gestão colegiada do Ipeafro, vê o trabalho também alinhado com uma preocupação constante de Abdias, que era a educação da população negra, capaz de aproximar novas gerações.

“A gente entende que o movimento negro e as ações do movimento negro também educam. Esse acervo reunido aqui também pode ser um lugar de informação e formação. Recebemos um conjunto de estudantes, alunos e alunas de pós-graduação que vêm pesquisar o acervo. Infelizmente o racismo, durante muito tempo, inviabilizou figuras como o Abdias e todo esse legado. A nossa tarefa, e uma das nossas missões, é levar todo esse conhecimento que ele produziu de forma que as novas gerações possam beber nessas fontes para atuar no futuro”.

Como o nome da websérie é Andorinha, Clícea reforçou a necessidade de a luta contra o racismo ser coletiva e, dessa forma, marcar o trabalho desenvolvido pelo Ipeafro.

“É um trabalho coletivo. Todas as áreas aqui têm a perspectiva de se comunicar para que a coisa aconteça, o que se reflete muito no que foi Abdias. A coisa só anda e acontece porque todo mundo trabalha junto e voa junto”, disse, lembrando o ditado popular “uma andorinha só não faz verão”.

A partir de hoje (16), o primeiro episódio de Andorinha ficará disponível no canal do Ipeafro no YouTube, justamente no mês em que o instituto completa 41 anos de criação. Novos episódios vão ao ar nas próximas segundas-feiras. Quem tiver interesse em buscar mais informações pode acessar o endereço: ipeafro.org.br ou então os perfis nas redes sociais @ipeafro no Instagram e no Facebook.

Agência Brasil, site parceiro do Notícias Verdadeiras.

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