O atual cenário das doenças raras no Paraná e as formas de avançar no tema para melhorar a qualidade de vida dos pacientes, de suas famílias e até mesmo o impacto na saúde pública foram debatidos por parlamentares, especialistas, juristas e mães que convivem ou perderam seus filhos para alguma dessas síndromes.
“Uma das audiências públicas mais fortes de que participei. Uma audiência marcada pela emoção das histórias dessas famílias, mas também por cobranças ao Poder Executivo e ao Poder Legislativo, principalmente quanto à ampliação do teste do pezinho: se está sendo feito, de que maneira está sendo feito. Fomos cobrados a agir, e o encaminhamento é trabalhar para colocar em prática”, afirmou a deputada Cloara Pinheiro (PSD), proponente do evento ao lado da deputada Maria Victoria (PP).
Enquanto a parlamentar progressista possui uma longa trajetória legislativa voltada à pauta das doenças raras, Cloara trata o assunto com a propriedade de quem perdeu, há 29 anos, a filha Carolina, vítima de um retinoblastoma.
“Não gostaria de ter essa história para contar, mas ela virou a minha missão. É importante falar sobre o diagnóstico, o custo da medicação, como deve ser o tratamento”, disse Cloara.
“São 13 milhões de brasileiros convivendo com doenças raras, sendo 9 milhões crianças e jovens. No Paraná, há 660 pacientes com diagnóstico confirmado e, em Curitiba, cerca de 120 mil pessoas podem ter alguma condição rara. Quanto mais a gente se unir, se juntar e trabalhar em conjunto para fazer a diferença, é isso que vai valer a pena”, acrescentou Maria Victoria.
Ela citou a Lei Municipal nº 16.381/2024, que entrou em vigor em março deste ano. A iniciativa ampliou o teste do pezinho utilizado para detectar doenças genéticas e metabólicas, de seis para cerca de 30 doenças.
“Já há uma lei em Curitiba, mas a discussão hoje é sobre como essa lei será executada. Precisamos reunir a sociedade civil para entender quais providências serão tomadas. A lei precisa sair do papel. E queremos avançar também com relação à triagem neonatal em âmbito estadual”, cobrou a desembargadora do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), advogada e especialista em saúde, Tatiana Viese.
A norma curitibana foi batizada de Lei Heitor e Henry, em homenagem aos filhos de Kelly Akemi, que não conteve as lágrimas ao contar a história da família. Diagnosticado tardiamente com uma doença rara, Heitor, o mais velho, passou por um transplante de medula com 1 ano de idade. Como o ideal é que o procedimento seja feito até os 3 meses de vida, o menino ficou com sequelas. Já o caçula, Henry, teve diagnóstico precoce, realizou o transplante de medula óssea mais cedo e hoje leva uma vida normal.
“Essa é a história de quando uma dor vira lei. E o retrato efetivo de uma política pública que vai ajudar muitas crianças. A doença acomete 1 em cada 100 mil nascidos, mas esse é o filho de alguém, e penso muito neles”, afirmou Kelly. A lei é de autoria da vereadora Amália Tortato, que também acompanhou a audiência.
Hoje, no Paraná, os testes são feitos pela Fundação Ecumênica de Proteção ao Excepcional (Fepe). “O Paraná é o único estado onde o teste chega a todos os hospitais públicos e privados. Já tivemos cerca de 6 milhões de bebês triados. Temos os equipamentos para ampliar. Precisamos de um esforço coletivo para que isso aconteça efetivamente”, defendeu a representante da Fepe, Mouseline Domingues.
De acordo com Fernanda Crosewski, chefe da Divisão de Atenção à Saúde da Criança e do Adolescente da Secretaria de Estado da Saúde do Paraná (Sesa), frente à urgência do diagnóstico precoce das doenças raras, a Secretaria elaborou um projeto em conjunto com a Fepe e a Fiocruz do Paraná para a ampliação da triagem. “O projeto prevê passar de 7 para mais de 30 doenças triadas no estado. É um avanço, considerando que muitas crianças com diagnóstico tardio acabam com comprometimentos graves”, afirmou. Ela ponderou, entretanto, que o Estado atua com prudência na definição dos exames a serem ampliados, para que seja possível encaminhar ao tratamento adequado.
O promotor de Justiça Ângelo Ferreira falou da relevância da audiência. “É importante porque traz para a população, de uma forma geral e de uma maneira muito eficiente, alguns debates que são a construção do próprio sistema público de saúde. Discutir o acesso aos diversos subsistemas do SUS constitui o meio de crescer e ampliar o atendimento. Curitiba já tem Lei nesse sentido e se espera que o Estado também disponibilize”.
Na Assembleia Legislativa do Paraná, foi aprovado na semana passada, pela Comissão de Constituição e Justiça, o projeto de lei 426/2023, que amplia o número de doenças diagnosticadas pelo teste do pezinho no estado. O texto é de autoria da deputada Maria Victoria, com coautoria dos deputados Mabel Canto (PSDB), Ney Leprevost (União), Bazana (PSD), Professor Lemos (PT), Matheus Vermelho (PP) e Batatinha (MDB).
Urgência
A neuropediatra Adriana Banzatto reforçou a importância da triagem neonatal para doenças raras, como a Atrofia Muscular Espinhal (AME). “Se a gente fizer um diagnóstico precoce, conseguimos iniciar um tratamento mais cedo ou, pelo menos, melhorar a qualidade de vida nas doenças para as quais ainda não temos um tratamento tão específico. Isso otimiza a qualidade de vida da criança e da família. Muitas doenças, se diagnosticadas ao nascimento, têm o curso revertido — como a AME. Se diagnosticamos logo que o bebê nasce, começamos o tratamento e ele terá uma vida normal, com desenvolvimento normal”, explicou.
Já o médico José Nélio Januário participou remotamente, compartilhando a experiência de Minas Gerais, onde a testagem já foi ampliada.
A audiência também permitiu que mães compartilhassem suas experiências e dificuldades relacionadas ao diagnóstico e tratamento de diversas doenças raras. Entre elas, Adriane Loper, presidente do Instituto Fernando Lopes Vasconcelos: AME e Doenças Raras, criado em memória do filho que faleceu aos 8 anos, em decorrência da doença.
“A AME é a principal causa genética de morte em crianças com menos de dois anos no mundo. É uma urgência pediátrica. Temos desafios como o diagnóstico e também o estigma social. A intervenção precoce, farmacológica ou não, melhora a qualidade de vida do paciente e da família, que também adoece”, ressaltou.