O direito autoral é um instrumento fundamental de proteção das criações intelectuais, garantindo ao autor tanto o reconhecimento pessoal sobre sua obra quanto a possibilidade de exploração econômica. Trata-se de um direito personalíssimo, exclusivo do criador, que regula como sua obra pode ser utilizada e comercializada. Na era digital, o direito autoral tem gerado novas discussões.
A circulação instantânea de informações e a facilidade de compartilhamento de conteúdos colocam desafios inéditos à proteção das obras. Entre pirataria, licenciamento digital e modelos de negócios em constante mudança, surge a necessidade de atualizar a jurisprudência e os mecanismos de fiscalização, para equilibrar o acesso à informação e o respeito aos direitos dos criadores.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem consolidando precedentes e mostrando que, mesmo na velocidade da era digital, os direitos dos autores permanecem invioláveis e essenciais para a valorização da criatividade.
Suspensão da venda de obra protegida não exige ordem judicial
No
Na origem do caso, uma empresa que produz conteúdos digitais notificou o Mercado Livre para que retirasse de sua plataforma anúncios não autorizados de venda de suas obras. Diante da inércia da plataforma, o juízo determinou a exclusão do perfil responsável pelo anúncio. Para o tribunal de segundo grau, a omissão da plataforma após a notificação do titular dos direitos autorais gerou o dever de indenizar.
Ao STJ, o Mercado Livre sustentou que, sem decisão judicial que determinasse a retirada do conteúdo, não poderia haver sua responsabilização. A empresa também argumentou que não interfere nas negociações realizadas em sua plataforma e, portanto, não deveria responder por conteúdo publicado por terceiros.
Em seu voto, Nancy Andrighi afirmou que, na falta de legislação específica sobre infrações a direitos autorais e conexos cometidas por provedores de aplicação de internet – prevista no
Segundo ela, as plataformas de comércio eletrônico que disponibilizam espaço para anúncios de venda de obras protegidas por direitos autorais podem ser responsabilizadas solidariamente, nos termos do
A ministra destacou ainda que o
Se é inequívoco que o titular da obra protegida por direito autoral notificou a plataforma de comércio eletrônico que divulgava o anúncio, isto é o suficiente para que surja a responsabilização solidária da plataforma de indenizar o titular da obra pelos danos sofridos, sendo desnecessário que a notificação ocorra por meio específico.
REsp 2.057.908
A relatora comentou ainda que, “na plataforma de comércio eletrônico, a retirada de um anúncio de venda que viole a LDA, após a notificação do titular do direito autoral, não viola de qualquer forma a liberdade de expressão ou as demais garantias previstas no artigo 5º da Constituição Federal”.
Serviços de streaming de música devem pagar direitos autorais ao Ecad
Em 2017, a Segunda Seção decidiu que é legítima a cobrança de direitos autorais pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) nas transmissões musicais pela internet via streaming. Com esse entendimento, o colegiado deu provimento ao recurso do Ecad para reconhecer que o streaming constitui um novo fato gerador para a cobrança de direitos autorais, pois é uma forma de execução pública das músicas.
O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator do
Segundo o ministro, a caracterização da execução pública decorre do simples fato de as músicas estarem acessíveis a uma coletividade no ambiente digital, permitindo que qualquer usuário, a qualquer momento, possa ouvir o conteúdo disponibilizado. “O acesso à plataforma musical é franqueado a qualquer pessoa, a toda a coletividade virtual, que adentrará exatamente no mesmo local e terá acesso ao mesmo acervo musical, e esse fato, por si só, é que configura a execução como pública”, declarou o magistrado.
O ministro concluiu afirmando que tal entendimento “prestigia, incentiva e protege os principais atores da indústria musical: os autores”. Ele realçou que a receita gerada pelos serviços de streaming cresce de forma vertiginosa, o que torna necessário buscar um equilíbrio entre os interesses dos criadores das obras e das empresas que exploram economicamente a música.
Limitação da cessão de direitos pela LDA não alcança contratos anteriores
Ao julgar o
O colegiado considerou que, na época da celebração dos contratos discutidos no recurso, não existia nenhuma norma equivalente na legislação, e não havia limitações legais à autonomia das partes quanto à disposição dos direitos autorais.
O recurso especial foi interposto pelo cantor Roberto Carlos e pelo espólio do cantor Erasmo Carlos contra a Editora e Importadora Musical Fermata do Brasil. Na ação, os autores contestaram os contratos firmados com a empresa entre as décadas de 1960 e 1980, sustentando que eles não seriam de cessão de direitos autorais, mas apenas de edição, e que a empresa teria extrapolado os limites pactuados. Defenderam também a necessidade de autorização específica do autor de uma música para a sua exploração via streaming.
As instâncias ordinárias negaram os pedidos de rescisão contratual e indenização, entendendo que os contratos tinham natureza de cessão de direitos autorais.
No STJ, a ministra Nancy Andrighi, relatora, explicou que os contratos de cessão implicam a transferência total ou parcial dos direitos patrimoniais do autor, de forma definitiva ou temporária, enquanto os contratos de edição se limitam à publicação da obra, com prazo e tiragem determinados. Segundo ela, embora Roberto Carlos e o espólio de Erasmo Carlos alegassem que os contratos eram de edição, a intenção declarada dos artistas à época de sua celebração apontava para uma cessão definitiva, com a transferência total dos direitos autorais à empresa.
Quanto à exploração das obras por meio do streaming, a relatora expôs que a jurisprudência do STJ, em regra, considera necessária a autorização prévia e expressa dos titulares. No entanto, ela destacou que o artigo 49, inciso V, da LDA, que limita a cessão de direitos autorais às modalidades de utilização existentes à época do contrato, não se aplica aos contratos antigos, em observância ao princípio da irretroatividade. Dessa forma, Andrighi concluiu que, no caso em julgamento, é válida a exploração das obras em plataformas digitais, inclusive via streaming, conforme estabelecido nos contratos originais.
“Essa proteção específica conferida aos autores, constante em lei especial, não estava presente no ordenamento jurídico anteriormente à edição da Lei 9.610/1998, de modo que, em razão do princípio da irretroatividade da lei, afigura-se inviável a aplicação de tais disposições a contratos celebrados antes de sua vigência”, afirmou.
A discussão sobre os direitos dos artistas diante da exploração de suas obras musicais por meio do streaming foi levada ao Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceu a repercussão geral – mas ainda não julgou o mérito – do recurso interposto por Roberto Carlos e o espólio de Erasmo Carlos, no mesmo processo contra a Fermata (
LDA não se aplica à criação de formato gráfico para buscas na internet
Em 2022, a Quarta Turma, no julgamento do
O colegiado, por unanimidade, acompanhou o voto do ministro Raul Araújo, que deu provimento ao recurso interposto pela Google Brasil contra acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que havia condenado a empresa ao pagamento de danos morais e materiais por suposto plágio do site de buscas e propaganda Roda Viva. O modelo em questão apresentava os resultados das pesquisas em um disco central, a partir do qual se irradiavam outros resultados em círculos concêntricos.
A Google Brasil, criadora do projeto Roda Mágica, alegou que a obra da outra empresa não merecia proteção pela LDA, argumentando que não havia inovação suficiente para caracterizá-la como criação intelectual, uma vez que a disposição circular dos resultados de busca não seria inédita, além de não ter sido registrada formalmente. Entretanto, para o TJRS, havia originalidade no modo de apresentação dos resultados de busca na internet, o que conferia um caráter gráfico novo e original à interface.
Em seu voto, Raul Araújo realçou que as obras resultantes da atividade intelectual podem perseguir interesses estéticos, enquadrando-se nas normas de direito autoral, ou atender a interesses utilitários, hipótese em que se aplica a proteção conferida pelo direito de propriedade industrial, o qual abrange patentes, modelos de utilidade, desenhos industriais e marcas.
O magistrado mencionou que o
“Nos termos da lei, são objeto de sua proteção exclusivamente os projetos que se destinem a dar forma a elementos referentes a geografia, engenharia, arquitetura, topografia, cenografia, paisagismo e ciência, alcançando apenas as representações plásticas de um fenômeno ou material de uso ou pesquisa”, afirmou.
O ministro ainda acrescentou que, por não integrarem o objeto de proteção da legislação autoral, ideias podem ser utilizadas para a produção de novas obras sem que isso configure violação de direitos autorais. “Desse modo, evidencia-se que o fundamento do acórdão recorrido utilizado para reconhecer a reprodução de obra autoral no caso concreto não encontra amparo na legislação específica”, declarou.
Os formatos gráficos – resultado do conjunto ornamental de linhas e cores que possa ser aplicado a um produto, proporcionando resultado visual novo e original na sua configuração externa – configuram desenho industrial, cuja proteção legal depende de registro perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial.
REsp 1.561.033
Clipping sem autorização do titular do conteúdo editorial viola direitos autorais
Em outro julgamento relevante, a Terceira Turma definiu que o serviço de clipping, consistente na elaboração e na comercialização de matérias jornalísticas e colunas publicadas em jornais, sem autorização do titular do conteúdo editorial ou remuneração por seu uso, viola os direitos autorais. A tese foi fixada no julgamento do
O colegiado deu parcial provimento a um recurso especial interposto pelo Grupo Folha contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que havia mantido a sentença de improcedência do pedido de indenização por danos morais e materiais movido contra uma empresa de clipping. O conglomerado contestava o uso não autorizado de matérias e colunas dos jornais Folha de S. Paulo e Agora São Paulo em um serviço de compilação de notícias oferecido pela empresa ré. O grupo sustentou que o conteúdo jornalístico de sua produção não poderia ser reproduzido ou utilizado sem autorização prévia ou sem a devida remuneração, sob pena de violação da LDA.
A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso especial, disse que as criações resultantes da atividade jornalística são amparadas pela LDA, cabendo exclusivamente aos titulares das obras o direito de utilizá-las publicamente e de explorar seu conteúdo de forma econômica, conforme os
Ao analisar as limitações aos direitos patrimoniais do autor, a relatora ponderou que tais restrições devem ser submetidas ao chamado “teste dos três passos”, o qual exige a observância cumulativa de três condições: que a reprodução ocorra em casos especiais, que não interfira na exploração comercial normal da obra e que não cause prejuízo injustificado aos legítimos interesses do autor.
No caso em julgamento, a ministra enfatizou que o clipping não se enquadra na exceção prevista por esse teste, pois os clientes da empresa recorrida, ao terem acesso às matérias jornalísticas de seu interesse por meio do serviço, deixam de adquirir os jornais, o que compromete diretamente a exploração comercial normal das obras e viola os direitos patrimoniais do titular.
“A utilização das matérias jornalísticas, no particular, não pode ser considerada como juridicamente irrelevante para o titular dos direitos autorais. A atividade de comercialização de clipping de notícias realizada pela recorrida conflita com a exploração comercial normal das obras da recorrente, prejudicando injustificadamente seus legítimos interesses econômicos”, concluiu.
Direito autoral deve ser respeitado mesmo que foto esteja disponível na internet
Já no
Com esse entendimento, o colegiado deu provimento ao recurso de um fotógrafo, reconhecendo seus direitos autorais sobre uma fotografia utilizada sem sua autorização pela Academia de Letras de São José dos Campos (SP), e condenou a instituição ao pagamento de R$ 5 mil a título de danos morais. O TJSP havia indeferido a reparação a esse título, alegando que a foto tinha sido disponibilizada livremente pelo autor na internet, sem qualquer elemento que permitisse identificar sua autoria.
A relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi, salientou que o fato de a fotografia estar acessível por meio de pesquisa em mecanismos de busca na internet não priva seu autor dos direitos garantidos pela legislação, tampouco permite presumir que a obra esteja em domínio público, uma vez que tais circunstâncias não configuram as exceções previstas em lei.
A ministra comentou que o próprio provedor de pesquisa informa, ao exibir as imagens, que estas podem estar protegidas por direitos autorais, indicando inclusive a consulta a material explicativo disponível por meio de um link. “Portanto, assentado que o direito moral de atribuição do autor da obra não foi observado no particular – fato do qual deriva o dever de compensar o dano causado e de divulgar o nome do autor da fotografia –, há de ser reformado o acórdão recorrido”, completou.
