As doenças cardiovasculares nas mulheres são negligenciadas. O alerta é de especialistas que participaram, nesta quarta-feira (14), de audiência pública no Senado. A audiência, feita em conjunto pelas comissões de Assuntos Sociais (CAS) e de Direitos Humanos (CDH), marcou o Dia Nacional da Conscientização das Doenças Cardiovasculares na Mulher, comemorado nesta quarta.
O pedido para a audiência (
— Informação tem que ser compartilhada, informação salva vidas. Essa é uma audiência que começa aqui, mas não acaba, vai se eternizar. Eu acredito que nós vamos trazer, por meio dessa audiência, uma grande colaboração para o Brasil — disse a senadora.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), as doenças cardiovasculares respondem por um terço das mortes de mulheres no mundo, com 8,5 milhões de óbitos por ano, ou seja, mais de 23 mil por dia. No Brasil, estima-se que mais de 30% das mortes de mulheres são causadas pelas doenças cardiovasculares. O índice supera o de mortes por câncer de mama e de colo do útero.
Alerta
“Mulheres também infartam”. Com essa frase, a diretora do Departamento de Cardiologia da Mulher da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), Viviana Lemke, alertou para algo que pode parecer óbvio, mas que muitas vezes não é lembrado. De acordo com a especialista, a mortalidade das mulheres é o dobro da registrada nos homens em caso de infarto agudo do miocárdio, o músculo do coração.
Um dos fatores para que isso ocorra é o tempo de isquemia, ou seja, de falta de oxigênio no músculo do coração, que geralmente é mais longo em mulheres. A médica explica que, além de demorar mais para procurar o atendimento, as mulheres apresentam sintomas diferentes dos apresentados nos homens. O que pode atrasar o diagnóstico.
— A mulher não valoriza o seu sintoma e às vezes não era só uma dorzinha, era um infarto. As mulheres pensam em agradar todo mundo. Elas primeiro cuidam do filho, da mãe, elas sempre estão à frente dos cuidados dos outros. Mas a gente não pode esquecer: o coração da mulher precisa de cuidados — lembrou Viviana Lemke.
A diretora do Departamento de Cardiologia da Mulher da SBC, Alexandra Mesquita, concorda. Durante a audiência ela apresentou dados sobre o atraso no tempo de atendimento para a mulher. A demora no diagnóstico, alertou, piora as chances de sobrevida.
— O que acontece? As mulheres chegam a um serviço de atendimento médico cerca de 37 minutos após o homem. Isso foi um estudo de Zurique [na Suíça]. E, chegando no mesmo tempo que o homem, ela é atendida cerca de 42 minutos após. Essa demora no diagnóstico, no início de tratamento, piora muito o prognóstico dessa mulher — lamentou.
Sintomas
Viviana Lemke informou que nas mulheres os sintomas de infarto são diferentes e muitas vezes essa informação não é conhecida pelas pessoas. A dor no peito, braço e pescoço, que é típica nos homens, muitas vezes não está presente nas mulheres, que sentem cansaço, palpitações, respiração curta. Esses sintomas podem ser confundidos com crise de ansiedade ou outras doenças.
Foi o que ocorreu com a paciente Benedita Albuquerque, que deu seu depoimento durante a audiência. Ela relatou ter sentido um “aperto” na região abdominal e procurado um hospital em Planaltina (DF). A paciente disse que foi diagnosticada como se estivesse com dengue e mandada de volta para casa. Com a piora dos sintomas, ela voltou ao hospital, onde, após exames, descobriu que era um infarto.
Alexandra Mesquita lembrou que, além dessa dificuldade de diagnóstico, a mulher sobre com fatores específicos, como ovário policístico, endometriose, menopausa e doenças na gravidez, como o diabetes gestacional e a pré-eclâmpsia.
A médica também alertou para o dato de que a mulher sofre mais com fatores considerados sub-reconhecidos, como assédio moral e sexual, discriminação, privação do sono e estresse crônico em função da dupla jornada, já que o trabalho doméstico muitas vezes não é dividido de maneira igualitária.
Estudos
A cardiologista Gláucia Moraes, coordenadora dos cursos de mestrado e doutorado em cardiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirmou que as doenças cardiovasculares das mulheres não são sub-reconhecidas só por elas mesmas, mas também pelo meio médico.
— Vários trabalhos que são feitos no mundo não têm mulheres incluídas nesses estudos e muitas das drogas que nós usamos são drogas que foram feitas para tratar homens, e não para tratar nós mulheres, então a gente precisa de ter um trabalho conjunto para que essas mulheres possam mudar a sua vida — disse.
Na visão da médica, medidas como como dieta, atividade física, controle do estresse e do sono, diminuição do peso e fim do tabagismo podem reduzir em 40% a incidência doenças cardiovasculares nas mulheres. Para ela, essas medidas não têm um custo alto para o estado e envolvem conscientização, por isso a importância do debate na comissão.
Para a especialista em hemodinâmica e cardiologia intervencionista, Fernanda Marinho Mangione, as mulheres também são prejudicadas no caso das valvulopatias, doenças nas válvulas do coração. Nas cirurgias de peito aberto, a mortalidade delas é superior à dos homens, o que poderia ser resolvido com técnicas menos invasivas, como tratamentos transcateter, feitos com a inserção de dispositivos por meio de vasos sanguíneos, com pequenas incisões.
— As mulheres têm piores resultados com tratamentos mais invasivos, mais agressivos, então a gente precisa priorizar tratamentos minimamente invasivos nessa população. E a gente precisa, urgentemente, atualizar essas indicações na ANS [Agência Nacional de Saúde Suplementar, que regula os planos de saúde], e também conseguir, efetivamente, disponibilizar esses tratamentos minimamente invasivos no SUS.
Data
O Dia Nacional da Conscientização das Doenças Cardiovasculares na Mulher foi instituído pela
— No meu estado de Rondônia, a gente tem regiões ribeirinhas às quais o acesso médico, a informação não chega. Com essa falta, às vezes a pessoa deixa para depois, e o tempo é precioso para salvar vidas. Como foi dito aqui, a gente fica preocupado, porque muitas vezes a gente não consegue levar esse acesso à saúde, à saúde básica, à informação, prevenção, cuidado principalmente, às mulheres, que muitas vezes, com a vida sobrecarregada, deixam isso para depois.
Ex-ministro da Saúde, o cardiologista Marcelo Queiroga afirmou que é preciso cobrar do governo para que os programas já existentes cheguem a quem precisa.
— Hoje o que nós vivemos é um ambiente de negligência. As pessoas não valorizam os sintomas que as mulheres têm e, às vezes, um infarto passa despercebido e isso é pago em vidas, em vidas das mulheres brasileiras,
A ex-parlamentar e o ex-ministro agradeceram à senadora Damares e ao Congresso a sensibilidade para tratar do tema da saúde cardiovascular da mulher.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)