As crianças e os adolescentes que dormiam no entorno da Igreja da Candelária na época da chacina lo local, em 1993, tinham sonhos — no sentido literal e figurado. E é do que elas imaginavam para o futuro — e também do que tinham vivido no passado antes de ocuparem as calçadas do Centro do Rio — que trata “Os quatro da Candelária”, minissérie da Netflix com estreia marcada para esta quarta-feira.
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Os episódios contam as 36 horas antes chacina na vida de personagens ficcionais sobreviventes do crime, que na vida real tirou a vida de oito adolescentes e foi cometido por agentes policiais. Para criar Douglas (Samuel Silva), Sete (Patrick Congo), Jesus (Andrei Marques) e Pipoca (Wendy Queiroz), o diretor da produção, Luis Lomenha, recorreu à ajuda de sobreviventes, que ressaltaram, em todas as conversas, o quanto eles sonhavam — enquanto dormiam, apesar dos perigos da rua, e quando estavam acordados.
—“Os quatro da Candelária” não é uma série sobre carência — diz Luis. —E não é sobre a chacina, é sobre o poder da infância.
Por isso, a lista de inspirações do criador e diretor da produção passa por nomes da “literatura fantástica latino-americana”, como no Gabriel García Márquez, e obras afrofuturistas, que misturam ancestralidade com distopia, como a franquia hollywoodiana “Pantera Negra”. A violência crua dos favela movies ou as reconstituições dos true crimes passam longe dos quatro episódios. A cena da chacina em si, diz Marcia Faria, que assina a direção com Luis, não tem “corpos negros no chão” por uma escolha.
— Os roteiros não focam exatamente na violência — reitera Marcia. — Ela está (ali subjacente) porque foi uma tragédia brutal. Mas o fato de ser o ponto de vista das crianças, 36 horas antes da chacina, e de a gente acompanhar a vida, os sonhos, os desejos delas, humaniza.
Gravada no segundo semestre de 2022 em frente à própria igreja e nas ruas do Centro (“a região é sub-representada no audiovisual e, ao mesmo tempo, tem uma história tão grande e complexa quanto as periferias”, diz Luis), a série marca a estreia de três dos quatro protagonistas no audiovisual. Somente Patrick Congo havia feito participações em outras produções, como “Dom”, do Prime Video, e em novelas da TV Globo, como “Amor de mãe” (2019) e “Um lugar ao sol” (2021). Wendy, a caçula do grupo, hoje com 9 anos, tinha alguma experiência artística por ser rapper mirim — e é também intérprete de libras. Mas Andrei Marques, de 18, e Samuel Silva, de 15, nunca haviam estado diante das câmeras. Andrei era lutador de jiu-jítsu e Samuel foi descoberto por Leandro Firmino, um dos famosos do elenco, que também tem Bruno Gagliasso, Maria Bopp e o cantor Péricles.
— Uma vez, o Leandro me ligou e falou assim: “Estou no ônibus em São Gonçalo e tem um moleque tocando violino muito bem. Ele tem 13 anos, se chama Samuel e me disse que quer ser ator. Sei que você está procurando, não quer dar uma olhada nele?” — conta Luis. — Falei para mandar um vídeo, mas Samuel não tinha internet em casa, morava no Coelho, em São Gonçalo, uma comunidade bem empobrecida. Ele foi à casa do Leandro e gravou. Quando olhei, falei: “é ele”.
Sobre Andrei Marques, que recentemente terminou de filmar “Corrida dos bichos”, do Prime Video, dos diretores Fernando Meirelles, Ernesto Solis e Rodrigo Pesavento, Luis afirma:
—Acho que é o nosso ator mais cerebral. É realmente um grande ator. E ainda tem essa coisa de ser lutador, então pode ser dublê das próprias cenas agora que é maior de idade.